Minhas inquietações com o Fórum Tribal (2020)

Melissa Art
6 min readDec 13, 2020

Em novembro participei de mais um evento teórico sobre dança, o Fórum Tribal. Desta vez, foram quatro encontros consecutivos aos domingos com duração de duas horas cada, trazendo temas pertinentes ao meio da dança: nomenclatura, teoria, formação e produção cultural. Na produção, uma vasta equipe formada por representantes de diferentes regiões: Aerith Asgard (PR), Ana Clara (AL), Ana Terra (SC), Annamaria Marques (MG), Cibelle Souza (RN), Holle Carogne (RS), Larissa Elias (GO), Maya Felipe (RJ), Mimi Coelho (EUA), Priscila Sodre (BA), Samra Hanan (SP), Sarah Belfort (DF) e Thaisa Martins(RJ).

Os encontros aconteceram pelo Zoom e os participantes tinham liberdade para interagir no chat, ligar a câmera e o microfone. Na verdade, era esperado que assim o fizéssemos. A cada encontro eram apresentadas questões que foram levantadas anteriormente acerca do tema. A ideia era criar uma roda de discussão construtiva, sem necessariamente trazer respostas ou dar uma aula, mas sim despertar a inquietação e levantar questionamentos. De qualquer forma, a troca de informações e conhecimentos sempre reverbera no aprendizado, não é mesmo?

Confira a seguir as questões levantadas e minhas considerações sobre cada tópico.

Dia 1: Nomenclatura

Tribal ou não tribal? Como isso impacta a cena brasileira?

Como o fazer político está influenciando na escolha do nome? A mudança pode extinguir a manifestação? Como denominar nossa modalidade sem carregar os estereótipos e preconceitos conosco?

Como ficam os Dark Fusion, Tribal Ritualístico, Tribal Brasil e outras derivações com a mudança do nome?

Como comunicóloga, acredito que é preciso diferenciar a fala técnica (de quem faz), da fala teórica (de quem estuda), da fala popular (de quem ouve). Então, sempre se pergunte: para quem estamos nos dirigindo? Eu estou fazendo uma publicação nas redes sociais, numa revista científica, estou falando com a comunidade da dança? Nossa dança nunca teve um único nome, e essa é a beleza da análise do discurso!

Dia 2: A importância da Teoria na Dança

Eu preciso estudar teorias (da dança, do teatro, questões sociais, apropriação cultural, orientalismo, feminismo, políticas públicas, decoloniaslimo) para dançar?

É necessário fazer uma faculdade de dança para dançar? Como as teorias do campo da dança afetam o meu tribal? Quais os entrelaçamentos entre teoria e prática?

Até que ponto estou embasada apenas com a minha opinião? Ela é o suficiente para me colocar na cena?

É preciso despertar o gosto pelo estudo teórico, tão mal visto e mal compreendido pelos alunos, isso é certo. Enquanto professora, sempre procurei diversas formas de levar a teoria para a sala de dança: através de referências visuais, publicações e citações orais, por exemplo. Diversificando a metodologia. Mas mesmo assim encontrei barreiras, resistência, confronto. Acredito hoje que esses questionamentos eram uma resposta às minhas provocações e que eu deveria ter continuado a trabalhar da forma como trabalhava.

Enquanto aluna, valorizo muito cada aula que tive com as minhas professoras, em especial a Sol e a Joline. Para mim, o estudo formal traz sim mais credibilidade na prática profissional artística. É diferente da pesquisa independente. E é o que me motiva a continuar estudando: eu sinto falta dessa orientação, de diversificar minhas referências, de aprender coisas novas e aprender diferente. Eu estava no 5º semestre de jornalismo, por exemplo, quando tive uma aula sobre o oriente médio que me fez repensar toda a minha dança. Em resumo, todo aprendizado é uma soma.

No fórum citaram uma série de publicações, e tomei nota, mas a que mais chamou minha atenção foi o Manifesto pela Pesquisa Performativa. Normalmente associamos o trabalho de pesquisa a valores quantitativos ou qualitativos, mas para quem estuda artes e mídia, esses métodos acabam sendo um pouco limitantes, incompletos, então a ideia de seguir uma linha estratégica diferente agrega muito à prática — e é especialmente interessante para mim, que tenho interesse em entrar para um programa interdisciplinar de pós-graduação.

Dia 3: Formação

É necessário estudar/ser profissional de dança do ventre para dançar tribal? Qual o tempo de estudo para dar aulas?

Cursos de formação/técnico/graduação/cursos livres/educação continuada/capacitação/aperfeiçoamento. Cursos internacionais. Metodologia de ensino e aprendizagem.

Houve um consenso neste dia sobre o nosso entendimento de “formação”, e acredito que os encontros anteriores contribuíram para esse pensamento. Aqui, os participantes se sentiram mais inquietos para dividir suas frustrações na trajetória profissional, culminando em desabafos e expressões repletas de emoção. É evidente a paixão e a dor com que cada um de nós abraça a dança, e por isso esses encontros, esses diálogos, são tão importantes. É desta forma que nos conectamos e damos vida à nossa rede.

Foi aqui que surgiram os primeiros desdobramentos para o que se espera após o evento, como a criação de cursos de aperfeiçoamento e capacitação para metodologias de ensino, por exemplo. Particularmente, adorei a proposta. Em minha caminhada, quando senti o desejo de trabalhar com dança, fiquei um tanto descontente com o cenário e a oferta de cursos, então optei por cursos livres mas direcionados, específicos de cada área de conhecimento, de produção cultural a gestão empreendedora e metodologias de ensino, sempre adaptando para a minha realidade. A criação de cursos acessíveis direcionados para a cena tribal que incorporem tudo isso seria ótimo.

Dia 4: Produção

Quem produz? Porque produz? Para quem?

Construção de um público que assiste a dança. Ética na produção.

Como buscar políticas públicas para fomentar a produção? Qual a importância da divulgação do evento?

O nosso último encontro foi mais conflituoso, trazendo visões diferentes sobre o tema. Falar de mercado, custos e lucros é sempre assim. Em acordo, ressaltamos a importância da transparência na produção de um evento, seja ele de pequeno ou grande porte, de alcance local ou nacional.

Quando falamos de produção de evento, já pensamos em grandes estruturas, mas para eu que trabalho em eventos locais, cada reunião, encontro é uma produção, e demanda tanto esforço, organização, recursos técnicos, financeiros e de pessoas quanto um evento de porte maior. Para quem atua na área, acredito que é de suma importância assistir mais eventos, eventos diferentes, participar, dançar, se envolver, antes de querer assumir a produção de um.

“Precisamos de mais gente trabalhando com isso para termos coisas diferentes acontecendo”, disse a Marcela, organizadora da Tribus Fair, num determinado momento, e eu concordo. Também concordo com a valorização local, de eventos intimistas, mas entendo a necessidade da ampliação da cena, de levar o tribal para outros meios, de ocupar os espaços públicos, como ressaltou a Paula Braz.

Falamos sobre a carência de produções técnicas de qualidade, especialmente de mídia, luz, som e uma alimentação decente nos eventos. Isso me fez pensar nos eventos que eu participei e dos que eu produzi. Comecei a gravar minhas próprias apresentações porque se não não teria registros de mídia. E quantas vezes já saí de um evento morrendo de fome ou sede!

Mas teve alguns eventos que mudaram a minha forma de pensar sobre produções em geral: o primeiro foi a feira Entre Mundos, que já mencionei em outro relato. O segundo formato foram os grandes festivais de música alternativa, que eu recomendo a todos que conheçam ao menos um. E, por último, as pequenas batalhas de break dance. Esses eventos me despertaram o desejo de criar algo similar para a dança.

Também falamos das dores da produção, da ausência de lucros, do estresse, da estafa. E penso que não precisa ser assim. Eu acredito que nós devemos colher os frutos sim!

O fórum poderia continuar por mais dezenas de domingos, e é por isso que a equipe tem se mobilizado para dar continuidade às ideias que foram levantadas durante os encontros, incentivando os demais participantes a fazerem o mesmo.

As atas do evento serão disponibilizadas no blog Coletivo Tribal, administrado pela Aerith, e também será criado um grupo de estudos com coordenação pela Ana Terra. Outras ideias em desenvolvimento incluem a criação de cursos de metodologias de ensino para aspirantes a professores e uma agenda coletiva de eventos para as produtoras.

Eu também tenho um projeto de publicação coletiva que venho compartilhando desde o ano passado, espero conseguir concretizá-lo num futuro próximo. Vocês saberão se isso acontecer!

E você, ficou com alguma inquietação que gostaria de compartilhar também?

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